CORRESPONDÊNCIA DE ÁLVARO RIBEIRO PARA ANTÓNIO TELMO, 1

O Círculo António Telmo inicia hoje a publicação da correspondência, em grande parte ainda mantida inédita, de Álvaro Ribeiro para António Telmo, dando assim o primeiro passo na missão, que estatutariamente lhe cabe, de tratamento, estudo e divulgação do espólio do filósofo da História Secreta de Portugal. Trata-se, estamos em crer, de uma série preciosa de dez cartas, indispensáveis à plena compreensão da relação mestre-discípulo que pautou o diálogo télmico-alvarino. A este propósito, cabe agradecer à Senhora Dra. Maria Antónia Vitorino, viúva de António Telmo e zeladora da sua obra, a plena confiança depositada nesta associação, ao franquear-nos os seus arquivos, no propósito de uma colaboração profícua e duradora. 

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Lisboa, 30 de Outubro de 1958

Meu caro António Telmo:

Muito agradeço o favor da sua carta, porque sei ter sido uma das raras pessoas a quem V. quis dar essa expressão de amizade. Muito obrigado.

Sei que V. não gosta de cultivar a epistolografia, género adolescente e feminil de literatura, mas agora leio com tristeza a notícia do seu  intempestivo desvio da carreira literária. Ao pensar que em 1959 vai ser celebrado em França, e no resto do mundo culto, o centenário do nascimento de H. Bergson, lamento que V. cesse os seus prometidos trabalhos, em que muitos de nós víamos uma segura esperança.

Quanto a mim, que no escrever para o público, ou para o futuro, encontro alívio de inconfessados sofrimentos ou digna reparação de conhecidas injustiças, não me envergonho de dizer que estou coligindo mais notas para o próximo livro ou opúsculo. Disse-lhe já que estou meditando na filosofia do jogo, que é a filosofia do comércio, e não me esqueço de que tive ocasião de lhe pedir o favor de me emprestar um livro clássico sobre o assunto. Mantenho, todavia, esse pedido.

O meu livro sobre a “Escola Formal” ainda não foi dado à luz, e tenho já a certeza de que só depois de distribuído em todo o País me será lícito obter exemplares para ofertas aos amigos. É assim a avareza da casa editora.

Nesta Lisboa dos cafés vão-se desmoronando as tertúlias, em consequência das invejas e das intrigas. Há duas semanas que não vejo o António Quadros. As conversas habituais causam desânimo. O que me vale, acredite, é o vício de escrever para longe…

Na madrugada de 13, minha Mãe sofreu uma queda. Já não se levanta da cama; passa as tardes, e principalmente as noites, a gemer. Sofre muito. O médico manda suspender este medicamento, experimenta outro, e assim sucessivamente. Para a Conchita, significa isto tudo uma inexplicável provação: falta-lhe a piedade religiosa.

Para completar a amargura deste fim de ano, a Junta Central das Casas do Povo é transferida para outro local, onde cessam as liberdades de que gozámos durante os últimos tempos.

Creia, meu caro António Telmo, que recebi a notícia da sua adaptação a Beja com a esperança de que ainda melhores caminhos lhe dê Deus. Abraça-o o amigo grato

Álvaro Ribeiro

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